Por muito tempo, acreditou-se que a habilidade de multitarefa era tradicionalmente feminina e que as mulheres nasceram abençoadas com o dom de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Na década de 1940, a Mulher-Maravilha foi criada nos quadrinhos e é um exemplo disso: uma heroína que voa de lá pra cá e realiza muitas coisas, desde concorrer à presidência dos Estados Unidos a tornar-se deusa da guerra. Em uma realidade sem a existência de super-heróis como vemos nos quadrinhos e na TV, muitas vezes me sinto rodeada de outras Mulheres-Maravilha — e às vezes sou vista como uma também. Na minha visão, a Mulher-Maravilha dos tempos modernos é aquela mulher que dá conta do trabalho, dos compromissos, é ativa nas mil reuniões que tem por dia, cuida dos filhos, executa os afazeres domésticos, tem vida social e encontra tempo para atividades físicas, medita e faz yoga. Resumindo, é aquela que faz malabares para cumprir prazos e realiza atividades que tem na lista de afazeres, é uma pessoa presente, dá conta de tudo... E ainda tem tempo para salvar o mundo!
Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade Técnica de Aachen, na Alemanha, mostrou que essa lenda da mulher multitarefa não tem qualquer fundamento. Neste estudo, foi solicitado que homens e mulheres realizassem algumas tarefas: sendo que em alguns momentos, eles deveriam realizar uma tarefa de cada vez, e em outros, dividir a atenção e realizar duas tarefas ao mesmo tempo. O resultado mostra que mulheres, na verdade, não são melhores em multitarefas do que os homens. Porém, o estudo confirmou que mulheres eram melhores em alternar entre diferentes tarefas do que executar múltiplas atividades ao mesmo tempo.
Então, por que a supervalorização da multitarefa é associada especialmente ao gênero feminino?
As mulheres continuam a ser bombardeadas com obrigações relacionadas ao trabalho, família, e tarefas domésticas. Muito mais que cansaço e estresse, a múltipla jornada pode desencadear sérios problemas para saúde mental feminina.
Vejo que algumas ações da "tal Mulher-Maravilha" coincidem com a minha própria experiência: a lista de afazeres sempre cheia, a cabeça transbordando de ideias e de obrigações… entregas, reuniões, estudo… enquanto uma mão mexe a comida na panela, a outra escreve um e-mail, penso na solução de algum fluxo do protótipo que poderia melhorar e leio artigos, enquanto ouço um podcast. A tal carga mental.
Durante muito tempo, fui uma defensora do mito da genialidade feminina da multitarefa... Até perceber o quanto isso afetava a minha saúde mental.
(Tirinha muito didática sobre 'era só pedir'. Fonte: https://psico.online/blog/era-so-pedir-uma-historia/)
Acredito que a pandemia por si só já tenha gerado alguns estragos generalizados na humanidade. Além disso, o fato de sermos proibidos de sair de casa por vários meses e ainda trabalhar no mesmo ambiente, enquanto o caos estava acontecendo no mundo, foi bem complicado. Em um espaço sem separação física de onde se começa um e termina o outro, a linha tênue entre trabalho e vida pessoal foi confundida com mais horas de trabalho, roubando nosso precioso momento de vida pessoal. De fato, foi e é um privilégio ter uma profissão que me permite trabalhar de casa e poder me comunicar com meu time e com os clientes online, sem a necessidade de me deslocar. Mas creio que mesmo com esses privilégios, esse cenário acabou se transformando em um espaço de caos e de ansiedade.
Sou uma mulher amarela de ascendência japonesa, e desde pequena sempre fui ensinada a fazer mais do que os outros esperavam de mim, de procurar sempre a excelência em tudo que executo e de não mostrar fraquezas. Em outras palavras, muitas vezes me coloco em um lugar onde me sinto na obrigação de fazer mais e mostrar aos outros que não tive dificuldades em alcançar um patamar altíssimo ou apenas o nível de excelência que eu exijo de mim mesma. Muitas vezes me encontro em situações de exaustão por tentar alcançar o inatingível, que é aquilo que eu vejo como parâmetro de qualidade, sendo responsável por sabotar a mim mesma e minhas exigências.
Sou também uma mulher imigrante, uma brasileira morando na Itália há quase 7 anos. Como toda imigrante, tive que batalhar para conseguir meu lugar ao sol, aprendi a me comunicar em outras línguas, assim como a respeitar e conhecer culturas tão diferentes das minhas.
O sentimento de realização é gratificante, sim! Conseguir riscar todos os itens da lista de tarefas é um alívio. Mas, se não bem dosado, a exaustão chega avassaladora, como no meu caso, costas travadas por semanas, problemas de saúde e burnout.
É preciso ter coragem para impor limites para nós mesmas, delegar e dizer que não está bem. Recentemente, ouvi de uma psicóloga que "a não ser que você seja um cirurgião cardiologista, nada é tão urgente que deva afetar a sua saúde mental. Ninguém vai morrer se você não entregar esse protótipo a tempo".
Preciso dar conta de tudo? Adoraria, mas não preciso.
Já me havia deparado com pessoas muito próximas em estado de burnout ou depressão, porém nos últimos anos, vejo que o número tem aumentado bastante. Vejo que, por um lado, existe a falta de empatia das organizações em entender o colaborador como um ser humano e não uma máquina, a falta de clareza em determinadas atividades e situações e, em algumas ocasiões, também a falta de reconhecimento ao funcionário. Por outro lado, noto a grande dificuldade de pessoas em se expressar e falar com honestidade sobre os seus próprios desafios, as noites mal dormidas para terminar o projeto, a frustração de quem tem que lidar com pessoas difíceis todos os dias e o peso de estar em um ambiente tóxico sem perceber.
Pessoas infelizes, frustradas e exaustas dificilmente gerarão bons resultados às empresas. E empresas que alimentam um ambiente abusivo tendem sempre a perder colaboradores.
A Mulher-Maravilha só consegue salvar o mundo se está bem.
Vejo que pessoas tendem a postergar a própria felicidade em prol de tarefas cumpridas. "Quando eu conseguir um trabalho melhor, eu vou me sentir bem", "quando eu conseguir a promoção que tanto quero, vou estar bem", "vou descansar depois que terminar esse task". Eu mesma tendo a cair nessas armadilhas com condições também, mas sabemos que após termos passado por um ano terrível, o meu conselho é: aproveite a sua vida AGORA!
Nos últimos anos, aprendi muito com as várias pessoas da comunidade de UX no Brasil e na Europa: profissionais de diversas áreas, níveis de senioridade, e de momentos diferentes de carreira; e noto que muitas delas se subestimam, acham que têm menos experiência do realmente demonstram ter, fazem mais, porém se sentem menos.
Listo aqui algumas ações que me ajudaram a melhorar minha saúde mental:
Resumindo, essas dicas não são regras, mas são coisas que me ajudaram a não enxergar a minha vida como uma lista de tarefas a serem concluídas e passar batido por oportunidades como um trem. Por mais que muitas vezes seja difícil mostrar vulnerabilidade, é preciso aceitar que a Mulher-Maravilha não existe, mas você existe e você importa!
Que tenhamos coragem, sempre!
Um agradecimento ao Vitor Guerra pelo convite e pela iniciativa linda de criar esse projeto em que, eu consigo me encontrar através dos textos de tantos designers inspiradores brasileiros, à minha irmã Maristela que revisou esse texto e a todas as mulheres fantásticas da Ladies that UX que me inspiram e me encorajam todos os dias.
Mariana Ozaki tem mais de 10 anos de experiência em design, mestre em Design de Serviços pelo Politecnico di Milano, apaixonada por projetar experiências significativas para as pessoas e criando novas soluções baseadas em estratégia, resolução criativa de problemas e métodos de design colaborativo, construindo e moldando novos serviços, experiências e sistemas. Já teve passagem por diversos setores, entre educação, moda, jogos digitais para crianças, start-ups e consultoria, no Brasil e na Itália. Hoje é Senior Product Design na Everli e Diretora EMEA para a Ladies that UX, uma organização global que promove e encoraja a participação feminina na área de UX e de tecnologia.