Design 2022
Elizete Ignácio
Antropóloga e UX Research Staff no Nubank
Mulher negra de pele clara; Antropóloga; Atleta de Netflix

Ainda vale a pena fazer análise heurística?

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Existem muitos artigos disponíveis sobre análises heurísticas na Internet. Então por que escrever mais um?

Ao longo do tempo observei que as heurísticas são muito comentadas e adotadas como princípios norteadores, porém a análise heurística em si é pouco aplicada por designers.

Minha hipótese é que a baixa adesão às análises heurísticas como método se deve a um olhar genérico do processo, focado nos mesmos exemplos de heurísticas, porém com pouco entendimento de como usá-las.

Mas o que são heurísticas?

Na Psicologia, as heurísticas são definidas como regras básicas ou modelos mentais simplificados de julgamento, que permitem aos humanos decidirem e agirem rapidamente na maioria das situações do dia a dia.

No desenvolvimento de interfaces digitais, as heurísticas são assumidas como princípios ou regras que fundamentam a avaliação da usabilidade das interfaces. Em Design, quando falamos do tema, o foco geralmente recai no método proposto por Jacob Nielsen, baseado em 10 princípios a serem observados por diferentes avaliadores, orientados a localizarem e classificarem os problemas das interfaces desenhadas por níveis de severidade. 

Mas qual a relação entre heurísticas na Psicologia e no Design de Interfaces? Henrique Monteiro mostra que, enquanto a análise heurística no Design é um processo consciente, as heurísticas mentais identificadas na Psicologia são processos inconscientes.

Mas Henrique Monteiro, Erika Souza e Eduardo Souto, Olibário Neto, e outros, destacam que as Heurísticas de Nielsen são insuficientes para dar conta e avaliar a multiplicidade de interfaces digitais existentes – e seus diferentes meios ou canais. E isto ocorre porque heurísticas propostas por autores como Brenda Laurel; Gerhardt-Powals; Weinschenk and Barker; entre outros autores (leia aqui, aqui e aqui, entre outras fontes disponíveis na rede) são deixadas de lado.

O que proponho é que designers criem metodologias proprietárias de análise heurística em suas empresas, tendo o método de Nielsen como norteador, mas indo além. Em duas empresas nas quais trabalhei pude liderar estas iniciativas e, sem pretensão de oferecer mais um método, quero compartilhar como fizemos.

Princípios: o que é importante considerar.

Engajar a equipe

A análise heurística é uma avaliação entre pares e, por isso, é bem importante toda a equipe colaborar na criação da metodologia.  Na primeira empresa em que liderei a iniciativa o time era bastante pequeno, com apenas 8 designers. Então foi fácil envolver a equipe inteira em todas as etapas. Na segunda empresa o time tinha mais de 70 pessoas de UX, por isso elegemos representantes para participar do processo.

Fundamentar as heurísticas de acordo com os valores e o modelo de negócio da empresa

Ainda que o modelo da empresa seja user centric, os produtos que desenvolvemos estão associados aos modelos de negócio e aos valores das empresas nas quais são produzidos. Por exemplo, pensar em Liberdade e Controle do Usuário vai assumir diferentes significados em um banco tradicional ou em uma fintech que acabou de surgir; ou em uma empresa de educação e outra com foco em saúde. Provavelmente uma empresa que tem muito valor em transparência pode não ter problemas em ser redundante com as informações, contrariando a heurística de Gerhardt-Powals, de incluir apenas as informações estritamente necessárias para o usuário.

Mapear diversas heurísticas

Na primeira empresa que atuei, mapeei mais e 80 heurísticas, entre aquelas focadas em Design e UX e outras mais ligadas à Ergonomia das telas, à Interação Humano-Computador e à Computação. Na segunda empresa, a equipe mapeou 45 heurísticas, apenas em Design e UX. Ampliar a quantidade de heurísticas permitirá trazer aquelas que mais fazem sentido para o produto.

Criar heurísticas

Pode fazer sentido criar heurísticas ligadas aos valores da empresa, ao modelo de negócio ou à experiência de uso. Por exemplo, uma heurística específica sobre Proteção de Dados pode assegurar que a LGPD esteja sempre sendo considerada; ou ainda um conjunto específico de heurísticas sobre acessibilidade.  Além disso, as heurísticas podem se mostrar muito genéricas e talvez seja necessário contextualizá-las.

Como fizemos (1).

1.       Em ambas as empresas iniciamos com o mapeamento das heurísticas, com a descrição de todas aquelas consideradas relevantes para o perfil de usuários e modelos de negócio:

a.       Na primeira, também criamos uma heurística sobre segurança de dados;

b.       Na segunda, foram criadas heurísticas específicas sobre acessibilidade, pesquisa com usuário e conteúdo textual.

 

2.       Em seguida, realizamos atividades de priorização, considerando os produtos digitais, modelos de negócio, valores e perfis de usuários.

a.       Na primeira empresa fizemos um workshop de priorização com toda a equipe, usando uma matriz Importância x Impacto. No fim foram selecionadas 22 heurísticas.

b.       Na segunda empresa, cada vertical de gestão fez a primeira priorização, selecionando cerca de 20 heurísticas. Em seguida, os representantes se reuniram em um workshop no qual priorizaram 25 heurísticas, através de debates e votações.

 

3.       Em ambas as empresas realizamos workshops de validação do corpo das heurísticas, composto de: definição, objetivo e importância na análise. Na segunda empresa, a redação passou pelo crivo do time de UX Wrinting. Exemplo:

 

Controle do usuário: colocar os usuários no controle do processo do sistema (como interromper, cancelar, suspender e continuar). Cada ação possível deve ser antecipada, com oferta de opções apropriadas.

Objetivo: Avaliar a capacidade do usuário controlar as ações.

Por que é importante? Favorece a aprendizagem; diminui a probabilidade de erros; torna o produto mais previsível.

 

4.       Durante o workshop também foi discutido qual seria a melhor ferramenta de análise e repositório.

a.       Na primeira empresa, a ferramenta adotada foi um checklist no Confluence, com indicação da justificativa de avaliação e severidade.

b.       Na segunda, optou-se por criar um board de avaliação no Figma, com quatro áreas:  replicação da jornada projetada; campo de justificativa; indicação da severidade; e classificação em uma matriz 2x2.

 

5.       O processo de avaliação foi o momento no qual mais surgiram diferenças nos métodos.

a.       Na primeira empresa, definimos que a avaliação seria realizada por dois colegas, que recebem o link do checklist e devolvem preenchido para quem criou o design. Ficou em aberto para que designer projetista e designer de avaliação conversassem após a avaliação.

b.       Na segunda empresa fizemos 3 MVPs, para entender qual modelo seria mais funcional para o time. No MVP 1 foi proposta uma avaliação coletiva, com 3 a 5 designers reunidos; no segundo MVP foi testado o envio do link para avaliação individual de três colegas, com retorno por escrito, e possibilidade de conversas posteriores; o terceiro MVP foi um desafio “antes e depois”, no qual designers escolheram interfaces em produção e fizeram um facelift baseado nas heurísticas. Os três modelos foram considerados aplicáveis, de acordo com a fase de desenvolvimento do produto.

 

6.       Retorno da avaliação: em ambas as empresas ficou definido que não haveria obrigação de aceitar o resultado das avaliações ou fazer as mudanças sugeridas. Contudo, no que pude observar, a avaliação entre os pares foi vista como uma forma de aperfeiçoar o desenho.

Ao questionar colegas em Design e UX sobre a baixa adesão à análise heurística, recebi respostas como: “não entendo o método”; “são apenas princípios gerais”, ou ainda, “não vejo utilidade” (uma resposta honesta e compreensível). Porém, vale a pena fazer análises heurísticas. O resultado da análise ajuda a explicar decisões de Design para times de negócio e evidencia como a experiência projetada para o usuário se conecta com a proposta de valor da empresa ou do produto. Por fim, a ideia toda do artigo é incentivar a adoção de uma análise heurística sistemática entre pares. Espero receber outras respostas em 2022.  

 

(1)    Em ambas as empresas, foram mais de 100 pessoas a participarem das atividades e workshops junto comigo. Sem essa colaboração, a criação das metodologias não faria sentido. Mas quero agradecer principalmente a Davi Hoelz, Jeff Avelino, Jéssica Venâncio e Sabrina Vreuls pelas trocas, conversas e execução das atividades.

Elizete Ignácio

Mestre em Antropologia e Sociologia pela UFRJ. Atua há 20 anos em pesquisas de impacto social, marketing e tecnologia, e há 7 anos em pesquisa de experiência no Brasil e no exterior. Ministra cursos que articulam antropologia, design e metodologias de pesquisas com pessoas.

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