A ideia de que boa parte das pessoas desejam ou já desejaram mudar o mundo me agrada muito. O que descobri nessas andanças é que você não precisa ser uma Harriet Tubman ou o Capitão Planeta. Dá pra fazer muito com pouco ou, pelo menos, a sua obrigação.
Pergunte para uma pessoa designer - principalmente aquelas que fizeram transição de carreira - o que motivou a escolha dessa área e receba a grande resposta: propósito.
Mas você já se perguntou que propósito é esse?
O propósito muda de pessoa para pessoa e isso é o resultado da soma do lugar de onde você veio, seus recortes sociais, desejos de vida e, principalmente, o que você quer deixar como marca no mundo.
Um dia me perguntaram como eu quero ser conhecida e isso me perseguiu por semanas até que, finalmente, entendi que quero ser conhecida como alguém que começou - mesmo que eu não veja os frutos disso tão cedo.
Eu comecei. Comecei a me indignar toda vez que via 87 mensagens em qualquer grupo de design, no qual a discussão do botão ou da tela de erro era mais importante que discutir sobre as pessoas, especificamente aquelas que são e vão continuar sendo invisíveis se não fizermos nada a respeito.
Comecei a me perguntar se era mesmo certo discutir os erros dos outros e ignorar os nossos. Questionei o quanto o foco estava sempre no lado errado, no superficial, e naquilo que não vai impactar, melhorar ou simplificar a vida de ninguém.
Eu sempre falo que o conteúdo tem dois grandes poderes: o de excluir e o de educar. No seu trabalho e na sua entrega, você é a pessoa que decide qual desses poderes vai falar mais alto.
Em times nos quais a autonomia é cada vez mais real, olhar para pessoas reais não deveria ser uma escolha, mas a base, o ponto de partida. O estereótipo de usuário padrão precisa acabar.
O homem, branco, cisgênero, sem deficiência, com ensino superior completo, que troca de celular todo ano para acompanhar a tecnologia, que não tem problemas econômicos e que tem todos os direitos em vigor existe (e são muitos!), mas ao atravessar a linha do padrão você vai encontrar um Brasil plural, pedindo para ser visto - e é lá que o nosso trabalho vai gerar impacto e fazer sentido.
Não é difícil conseguir dados mais macros sobre a população brasileira e entender desde os recortes simples até os mais complexos - o exercício deve ser coletar esses dados e cruzá-los com os objetivos de negócio.
Se conteúdo é comunicação, por que não estamos discutindo os desafios de escrever uma experiência diante do analfabetismo brasileiro? - já que isso é o básico para qualquer pessoa entender o push, o e-mail, a tela e os termos e condições.
Seja em content design ou em ux writing, a narrativa na concepção de um produto cria experiências inimagináveis e, mesmo que ela seja a mais incrível possível, de nada vai adiantar se só o usuário padrão tiver acesso a ela. É assim que o saco vazio não para em pé.
A gente só inclui porque em algum momento a exclusão foi criada. Isso vai além do social e estrutural, não dá mais pra gente se isentar dessa culpa.
Se no nosso ditado popular “pro saco parar em pé a gente precisa comer”, no design o olhar para pessoas reais é que vai nos sustentar.
A clareza em um conteúdo focado na experiência de uma pessoa usuária, por exemplo, não é o que eu ou você entendemos. A clareza é, principalmente, para aquelas pessoas que, por questões sociais, não tiveram acesso à educação necessária para entender um conteúdo simples - e, vai por mim, essas pessoas existem e representam 30% da população brasileira, conhecidas como analfabetas funcionais.
O último número que o IBGE trouxe é de que existem 274 línguas no Brasil. Essa é uma herança de imigrantes, povos escravizados, regionalismos e toda a cultura brasileira que não é e nunca será uma só.
Entende porquê o padrão de usuário não funciona tanto? Por mais nichado que seja o produto, em algum momento sua abrangência vai esbarrar no Brasil invisível.
A ideia de que acessibilidade é apenas para pessoas com algum tipo de deficiência nos coloca em uma sala fechada onde devemos preencher os requisitos básicos para poder sair dela. O design inclusivo é uma porta que se abre para que a gente pense em produtos e experiências que atendam as diferenças, necessidades e representações de todas as pessoas.
O design é social e o content design é que abre o caminho para que ele inclua, eduque e crie conexões.
A narrativa é importante, o guia de conteúdo é importante, o glossário é importante, o botão também é, e muitas outras coisas também são, mas nenhuma delas é tão importante quanto as pessoas. São elas que geram receita e reputação para qualquer marca através dos produtos que criamos.
Assim como eu, você já deve ter descoberto que não dá pra mudar o mundo, mas dá pra mudar aquilo que colocamos nele. Tem noção do quanto isso já é muito? Guimarães Rosa escreveu que o que a vida quer da gente é coragem. E aqui, especificamente, coragem é não continuar fazendo o mesmo.
Coragem então.
Mulher preta, Socióloga, Content Designer, Professora e Mentora. Acredito que o conteúdo, além de proporcionar experiências marcantes e produtos mais consistentes, também é capaz de incluir, educar e capacitar mais pessoas.