O design é uma área em expansão. Quando olhamos sua história observamos que nas últimas décadas o design passou por um processo de ampliação da sua área de atuação, se inserindo em novos contextos, projetando novos outputs (serviços, experiências, ecossistemas) e fazendo isso de novas maneiras.
Se na natureza a adaptação é a habilidade mais importante para a sobrevivência, o mesmo vale para o nosso mercado, no qual a única constância é a mudança. E, sem dúvida, o design é uma área bastante adaptável, por isso o chamamos de design camaleão. Como disse Franzato (2011), “o design é capaz de guiar uma trajetória de inovação única e coerente com a organização”.
Vale acrescentar que a capacidade de adaptação do design vai além de construir diferentes caminhos para inovação. Adoro refletir sobre como o design se modifica de acordo diferentes âmbitos: de acordo com o tipo de saída (output) que será entregue ao final do processo de design, de acordo com o modelo de negócio no qual atuamos e sua monetização, e também de acordo com a estrutura organizacional da empresa. Te convido a refletir um pouco sobre o poder de adaptação do design.
Já parou para pensar o que faz o design de produtos digitais diferente do design de serviços? O que faz eles diferentes do design de produtos industriais? E diferentes do design de peças gráficas?
De maneira direta é possível perceber como a natureza do que projetamos acaba influenciando no repertório que precisamos ter e na própria forma de projetá-la. Um designer gráfico, por exemplo, para elaborar boas configurações visuais precisa conhecer mais sobre elementos visuais, cor, contraste, tipografia, forma, espaçamento, semiótica, símbolos, e também sobre o processo produtivo da sua criação. Vou projetar um livro? Preciso entender um pouco de impressão e encadernação, e por aí vai. Já um designer de produtos físicos, para projetar bons objetos, precisa conhecer mais sobre ergonomia, texturas, interação homem-objeto, e sobre materiais e processos produtivos do seu produto. Vou projetar uma cadeira de plástico? Preciso entender um pouco de polímeros, injeção e matrizes. Da mesma forma, um designer de produtos digitais, para projetar boas experiências, precisa conhecer sobre interação, jornada, usabilidade, códigos de sistemas digitais, e sobre processo de desenvolvimento. Vou projetar um app? Preciso entender um pouco quais serão as linguagens e suas limitações.
O processo de design também se altera de acordo com a intenção e mercado que permeiam o projeto. Projetar um acessório de moda fast fashion pede mais tempo de estudo de tendências, projetar um equipamento médico pede mais testes e prevenção a situações de erro. A essa adaptação de fazer o design do processo de design, damos o nome metadesign, e tem duas grandes referências brasileiras no assunto: Caio Vassão e Dijon de Morais. Recomendo uma leitura.
Outra característica que acaba impactando o modo de fazer design é a distância desde o processo de produção, passando pela distribuição, consumo até o uso do que projetamos. No design de produtos industriais essa cadeia é grande. O projeto da sua cadeira de plástico vai passar por vários modelos e protótipos, um valor alto vai ser investido para criar uma matriz, ela vai passar pelo processo produtivo fabril, vai ser entregue para lojas que vão vender e entregar esse produto, para aí sim o usuário finalmente se sentar. Nessa cadeia longa, idealmente, você só vai pensar em melhorar o projeto da cadeira depois de alguns anos, e um erro de projeto pode sair bem caro, por isso há muitas averiguações de qualidade antes do lançamento.
E nos produtos digitais, como seria? Bom, aqui a distribuição, consumo e uso acontecem de forma muito mais direta. O projeto de melhoria numa plataforma digital vai passar sim pela produção dos desenvolvedores, mas depois disso, bastando um deploy ou uma atualização de app, aquela melhoria já está na mão dos usuários. Dessa forma é possível ver a reação do público de modo menos custoso e mais rápido, o que muda a forma de projetarmos, tornando o processo de design mais ágil, incremental e iterativo. Inclusive, em serviços puros a produção e o consumo são simultâneos, o que facilita ainda mais a adaptação e o teste, mas também traz a importância de treinar e olhar para a equipe que vai executar o serviço. Nesse vídeo converso mais sobre esses aspectos do design de serviços.
Assim, o contexto digital em si possibilita novas oportunidades ao design, como a facilidade de experimentação, de simulação de cenários e facilidade de obter dados. Com uso de ferramentas e correto tagueamento das interfaces e interações, é possível ter uma infinidade de dados disponíveis que retratam o uso, comportamento dos usuários e a performance do negócio de maneira bem detalhada. Esses dados podem embasar mais as decisões de design e gerar insights, por isso falamos tanto de métricas em design de produtos digitais, algo que é menos comum em outras vertentes do design.
Design, tecnologia e negócios caminham juntos em produtos digitais. O digital também trouxe oportunidades para os negócios, como a possibilidade de maior alcance e escala, simplificação e automatização de processos e a melhoria ágil ao longo da prestação do serviço. Além, é claro, de novos modelos de negócio, como o SaaS (Software as a service - Sistema como um serviço), e-commerce, marketplaces de produtos ou serviços, prestação de serviço online e infoprodutos. Assim como, diferentes tipos de monetização, por exemplo: assinatura, freemium (no qual o uso é gratuito, mas algumas funcionalidades são pagas) e compra de moedas virtuais, comuns em alguns jogos.
O tipo de negócio e monetização no qual o design atua implica diretamente no seu foco, olhar e até no modo de trabalhar. Se você atua em um marketplace, tem o desafio de mediar os interesses de, no mínimo, dois usuários bastante distintos: vendedores/prestadores do serviço e seus consumidores. Se você atua numa empresa que cobra por assinatura, possivelmente ela já estará muito focada na satisfação dos usuários, pois a satisfação interfere diretamente na retenção e receita. Agora, se atua numa empresa que cobra por compra, você pode ser mais cobrado pela conversão e demonstrar o valor da satisfação pode ser um desafio.
Já parou para conhecer com mais profundidade o modelo de negócio e de monetização da empresa onde você atua? Pensou em como isso interfere no seu design?
Além dos aspectos da empresa para fora, os aspectos da empresa para dentro também impactam diretamente nossa forma de fazer design e os desafios que vamos enfrentar. A estrutura organizacional influencia o foco do design e seus embates. Quando me tornei líder em design isso ficou ainda mais claro para mim.
Atualmente é comum que a área de produto digital esteja em uma dessas estruturas: respondendo a um CTO com maior repertório de desenvolvimento, junto de uma diretoria de produto, dentro de uma diretoria de marketing, em uma área de transformação digital ou, quem sabe, na tão sonhada diretoria própria de design. Cada uma dessas estruturas organizacionais trazem dores e delícias diferentes, inclusive acabam fortalecendo pontes do time de product design com áreas distintas. Isso tudo só falando de atuação dentro do produto, pois ainda temos as diferenças de se atuar em consultoria, tanto trabalhando por projetos ou mesmo alocado em empresas.
E como as estruturas organizacionais afetam o design? Vou dar alguns exemplos. Quando a área de design responde a tecnologia, é comum ela estar mais alinhada com desenvolvedores, conhecer mais as limitações técnicas e acompanhar mais o lançamento das entregas, mas usualmente tem um desafio maior para demonstrar o valor do seu trabalho thinker, de identificar problemas e oportunidades de negócio. Se a área de product design está dentro do marketing, possivelmente ela tem maior proximidade de branding, do posicionamento da marca e das reações do público perceptíveis em redes sociais e áreas de atendimento, mas normalmente também tem um maior desafio de se conectar com tecnologia e promover pensamento de produto digital. Já dentro de uma área de transformação digital a área de product design pode estar mais próxima de processos de inovação, mas usualmente tem um papel ainda maior como um agente de mudança cultural.
Ainda falando de estrutura organizacional, os times de design digital estão crescendo, se especializando mais (com posições como Ux research, writing, design system) e demandando novas camadas de liderança (mais Leads, Managers, Heads, Diretores). Esse fenômeno é um marco histórico para a área de design como um todo. Em outros contextos (como no design de produtos físico e design gráfico), não é comum times tão grandes de design em uma única empresa. Porque precisamos de times grandes de design digital? Um fator possivelmente é trabalharmos com ciclos contínuos de melhoria, ou seja, estamos constantemente projetando o mesmo produto e temos uma atuação ainda muito craft.
Fazer design em um time pequeno é diferente de fazer isso em times de 30, 50, 100, 200 ou 300 designers. À medida que os times vão crescendo, se torna maior a preocupação com a organização da operação de design e com ganho de escala. Aí começam os embates: Como ganhar escala sem perder autonomia? Como manter a criatividade mas também o padrão? Como ser ágil e manter o processo de descoberta? Como manter uma visão coesa de design? E por aí vai. Obviamente, essa expansão dos times e processos que derivam disso tem exigido que o design use da sua capacidade de adaptação.
Acredito que ficou claro como o design é um camaleão e se adapta aos cenários, dançando conforme a música. Mas como fazer isso bem? Além de usar da flexibilidade, capacidade criativa e inventiva do design para se adaptar, precisamos abraçar e buscar incessantemente o contexto! Uma boa adaptação vem de um conhecimento profundo do contexto, das suas peculiaridades e demandas. Como diria meu querido colega Alan Pierre, nosso potencial de impacto é multiplicado pelo contexto. Se o contexto é zero, não temos nada em mãos.
O que nos ajuda a ganhar contexto é a curiosidade incessante do designer que vira expert na área que trabalha, mesmo sem nenhuma relação pessoal com ela, constantemente pesquisando e fazendo questionamentos para entender o negócio, a empresa, o usuário, as dores, o mercado, o mundo e tudo mais. Enquanto designers precisamos de contexto para conseguir modificar o cenário existente, projetar o que está por vir, e sermos relevantes.
Além da busca pelo contexto, a essência do design também se mantém nos mais diversos ambientes e situações. Essa essência está ligada ao seu modo de pensar, aos seus pilares, métodos e competências. Se mantém: a centralidade na perspectiva do usuário, a empatia, a busca pelo problema real, o foco no outcome, a colaboração, a criatividade e a experimentação. Costumo falar que, independente do contexto, se você consegue aplicar bem os fundamentos de design você já é um ótimo designer!
Em 2022 e nos próximos anos o design vai continuar se adaptando. Os termos vão mudar, vão surgir novos cargos, áreas, métodos, ferramentas. Como disse Louis Rosenfeld em sua palestra do ILA Medellin 2019, devemos banir os termos. Não vamos nos apegar aos nomes e em como as coisas funcionam hoje no design, mas sim à sua essência e poder de adaptação.
Thaís Falabella é formada em Design de Produto e mestre em Design, Inovação e Sustentabilidade, ambos pela UEMG. Atualmente é Design Manager no Ifood, professora de pós-graduação no IBMEC e na PUC e é Líder Local do IxDA. Foi UX Lead no inter, UX e Research Lead na Sympla, corresponsável pela implementação e liderança do Setor de Experiência do Usuário (UX) na PUC Minas Virtual, mentora de design de negócios na Mooca, trabalhou como Agente Local de Inovação no SEBRAE e Community Leader do InovAtiva Brasil.