Design 2022
Denise Pilar
UX Researcher/Strategist @ Nubank
Curiosa inveterada, determinada, leal, criativa.

Empatia, Compaixão Racional e Design Inclusivo

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O QUE é feito é um subproduto de COMO é feito.”
(Kat Holmes, Mismatch - How Inclusion Shapes Design)

Uma boa experiência acontece quando problemas reais, de pessoas reais são resolvidos. Ou ainda quando os objetivos dessas pessoas são atingidos com a ajuda - ou por meio de - produtos e serviços. Os produtos que consumimos, assim como os serviços que usamos, são um reflexo das pessoas que os fizeram, bem como da forma como foram feitos. Quando quem os usa é muito diferente de quem os fez, a experiência pode ser no mínimo frustrante, e em alguns casos, catastrófica.

Com a aceleração da Transformação Digital impulsionada pela pandemia, a importância de oferecer uma boa experiência aos usuários se tornou commodity, ou seja, ou você entrega, ou seu negócio está em risco. Para que seja um diferencial competitivo, a experiência precisa ser muito além de boa, precisa encantar. E o segredo para encantar está na empatia. Será?

Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre empatia no mundo do Design, especialmente depois que o coronavírus começou a fazer parte de nossas preocupações. O tema da inclusão também parece estar aparecendo com mais frequência nas discussões e publicações da área - felizmente! Por isso, este ano resolvi falar desses tópicos, mas sob uma perspectiva que considero mais aplicável, e que envolve dois outros conceitos: compaixão racional e design inclusivo.

No entanto, antes de começar, acredito ser importante definir empatia, considerando que  nem todos entendem o conceito da mesma forma: “empatia é a nossa capacidade de perceber as emoções da outra pessoa, refleti-las cognitivamente (i.e. compreender) e afetivamente (i.e. sentir), nos apropriarmos da perspectiva do outro, e distinguir entre nossas próprias emoções e  as emoções da outra pessoa. A empatia em si não implica motivação para a ação.”

A empatia sozinha não necessariamente ajuda na criação de soluções melhores ou mais inclusivas. A empatia funciona como um holofote, e nos torna sensíveis ao que estamos vendo, porém, ao mesmo tempo nos torna alheios ao que está fora de foco. E é muito fácil enviesar quando não vemos o todo. Ainda, como um holofote, a empatia é insensível a números, quer dizer, é fácil se sensibilizar com um rosto na multidão, ou com a vizinha que perdeu a mãe e o pai para a COVID, mas é impossível se sensibilizar com a multidão inteira. Por isso, embora nos choque (cognitivamente) saber que morreram mais de 600 mil pessoas no Brasil, não sentimos a mesma dor (afetivamente) que sentimos ao testemunhar a dor de alguém próximo.

Além disso, quando nos sentimos mal pelas vítimas, provavelmente também sentimos raiva de quem causou o sofrimento, e isso permite que a empatia seja usada como arma, como se vê, por exemplo, nas retóricas polarizadas - infelizmente tão comuns hoje em dia: o famoso “nós contra eles”. Infelizmente também, essa postura dicotômica não favorece a criação de experiências inclusivas e que possam ser satisfatórias, para o maior número possível de pessoas.

Hoje, quase 60% da população mundial (em torno de 4,6 bilhões de pessoas) usa ativamente a internet, quase 90% (mais de seis bilhões)das pessoas possuem um telefone celular (smart ou não), mais de 700 milhões de pessoas têm 65 anos ou mais - e estima-se que este número chegue a um bilhão e meio em 2025. Em torno de um bilhão de pessoas (aproximadamente 15% da população mundial) vive com algum tipo de deficiência - dentre eles, 80% em países subdesenvolvidos, como o Brasil. Lembre-se que nenhum de nós está livre de ser excluído em algum momento, pois a exclusão não se restringe a deficiência permanente, mas também pode ser temporária (se você quebrou o braço e não consegue usar o teclado, por exemplo) ou situacional (tente conversar em um ambiente barulhento onde você não consegue ouvir direito…). Além disso, o envelhecimento também traz limitações, e quem não morrer cedo, precisará conviver com elas. Todos estes dados nos mostram uma fatia importante e significativa da população mundial que tem atualmente menos acesso a boas experiências, quando muito.

Talvez você esteja se perguntando, qual o caminho? Como chegar às pessoas que hoje são excluídas de uma forma ou de outra? A resposta, acredito, está em oferecer uma boa experiência a mais pessoas, o que vem sendo chamado de Design Inclusivo. Em outras palavras, “uma abordagem de design centrado no ser humano que considera a maior diversidade humana possível, no que diz respeito à habilidade, linguagem, cultura, gênero, idade e outras formas de diferença humana.”

Atualmente, muito da exclusão que vivenciamos ou testemunhamos se dá por ignorância, porque as situações excludentes não foram antecipadas ou imaginadas. Nem poderiam, se tais situações não existem no referencial de quem concebeu e criou o produto. Enquanto escrevia este texto, uma pessoa perguntou num grupo de Whatsapp qual seria a vantagem de oferecer tradução em LIBRAS em relação às legendas, em vídeos. Ao saber que existem deficientes auditivos que não são alfabetizados em português, somente em LIBRAS, a pessoa comentou que nunca tinha pensado nisso, e como comentei acima, nem poderia, já que nunca teve contato com tal realidade. Ou seja, é fato que nossos vieses podem influenciar a forma como concebemos e criamos produtos e serviços, mesmo que estejamos comprometidos em evitar que isso aconteça. Mas se incluirmos no processo pessoas que poderiam ser excluídas ou que tem experiência em exclusão, teremos maiores chances de compreender as deficiências potenciais dos produtos. Equipes diversas (entre funções, culturas, etc.) aumentam a possibilidade de  ter diferentes perspectivas na mesa, e assim, influenciar na definição de  problemas e ajudar a definir a direção, de forma a excluir menos.

Isso significa que a experiência com as soluções que criamos sem pensar na inclusão  será ruim? Não necessariamente, mas as chances de uma boa experiência são infinitamente maiores para pessoas que são como nós, as criamos. Para todos os demais, a experiência tende a não satisfazer.

Muitas empresas já caíram na tentação de “calcular” o cliente “médio” e direcionar seus produtos para esse ser imaginário, que por sinal não existe. Na verdade, projetar para o usuário-médio vem causando problemas por muito tempo. Um exemplo bastante dramático é o caso dos pilotos estadunidenses na Segunda Guerra Mundial, em 1940, quando a Força Aérea dos EUA estava perdendo muitos pilotos (e aeronaves). A razão, descoberta após extensivas investigações, era a cabine das aeronaves, cujo tamanho não acomodava bem nenhum dos pilotos da época. As cabines tinham sido projetadas para um piloto-médio, com base em dados da Primeira Guerra. é fácil imaginar o quão difícil deve ser pilotar um avião onde você não cabe na cabine ou não consegue alcançar os controles. Posteriormente, a solução encontrada foi tornar o sistema ajustável aos indivíduos, afinal, é muito mais fácil - digo, muito mais possível -  ajustar a altura do assento do que ajustar o tamanho das pernas de uma pessoa, por exemplo…

Pensando de forma inclusiva podemos criar novas maneiras de as pessoas contribuírem para o design e o desenvolvimento, internamente, mas também e principalmente com o público externo, com os clientes e usuários finais. isso faz ainda mais sentido num momento onde a inteligência Artificial ocupa cada vez mais espaços e cujo impacto excludente não conseguimos antecipar (veja o documentário Coded Bias, no Netflix).

Através do Design Inclusivo podemos aprender com pessoas diversas sobre suas perspectivas diversas sobre as coisas e isso pode ajudar a evitar a exclusão potencial durante o uso das soluções que oferecemos. Além de tudo, o design inclusivo é um bom negócio, pois contribui para aumentar engajamento e fortalecer a lealdade, favorece a inovação, reduz riscos, aumenta o potencial de mercado, e de quebra, contribui para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU que envolvem aspectos sociais, ambientais e econômicos.

Como a maioria de nós já viu, ou talvez já tenha até experimentado, as pessoas estão acostumadas a se adaptar a soluções incompatíveis. Conhecer essas adaptações inesperadas pode ser revelador e oferecer insights sobre como melhorar para entregar produtos acessíveis e usáveis para as mais diversas necessidades. Contudo, o pensamento inclusivo já deve começar bem no início do ciclo de desenvolvimento do produto, integrando todos os papéis envolvidos, sendo incorporado ao trabalho diário de forma a complementar os processos já existentes, sempre que possível.

Para que o design seja de fato inclusivo, em vez da empatia, proponho cultivarmos a compaixão racional em nossas equipes, pois tem mais a ver com a resposta ao sofrimento. Compaixão é o que sentimos quando reconhecemos a dor do outro e compreendemos que esse sofrimento poderia acontecer com qualquer pessoa, inclusive conosco. Também somos tocados por tal sofrimento, ou seja, nos importamos com o outro mas precisamos ser capazes de tolerar sentimentos desconfortáveis, como frustração ou raiva pela injustiça, por exemplo. mas acima de tudo, a compaixão envolve uma motivação para a ação, no sentido de aliviar o sofrimento do outro. E quando a compaixão é informada pela deliberação racional, isto é, você compreende, se importa o suficiente com alguém e tem um forte desejo de ajudar essa pessoa a se sentir melhor - isso lhe permite tomar decisões mais claras e justas, seja no Design, seja na vida.

Concluindo, então, para sermos realmente inclusivos no Design precisamos primeiramente nos importar com as pessoas que usarão nossos produtos (ou serviços) e querer ajudá-los de verdade; precisamos encarar  a diversidade humana como recurso  para projetos melhores - não como ameaça; precisamos incluir as pessoas (usuários, colegas, …) desde o início e projetar COM elas em vez de para elas; precisamos estar abertos a aprender a reconhecer e evitar a exclusão; precisamos transformar nossas próprias opiniões em perguntas; precisamos parar de projetar para estereótipos (ocidentais, brancos, jovens etc.); e precisamos incorporar práticas inclusivas aos processos que já usamos.

Como diria Kat Holmes, a autora do livro Mismatch, talvez a bíblia do Design Inclusivo: “para o bem ou para o mal, as pessoas que projetam os pontos de contato da sociedade determinam quem pode participar e quem fica de fora. Muitas vezes involuntariamente.” Como profissionais de UX, temos a responsabilidade de colocar o ser humano no centro dos processos. Todo e qualquer  ser humano. Pensando e promovendo a inclusão seremos capazes de resolver para uns e estender a solução para muitos, muito além do que conseguimos antecipar.l

Denise Pilar

Denise Pilar é coautora do livro UX Research com Sotaque Brasileiro. Doutora em Psicologia Cognitiva, tem mestrado e graduação em Computação e um MBA em Psicologia Positiva. Atualmente se dedica à estratégia positiva de UX para construir futuros mais humanos.

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