Quando fui convidada para escrever este texto, tive vontade de falar sobre coisas que gosto tanto quanto design, e quem me conhece sabe que Mad Max - Estrada da Fúria (Mad Max - Fury Road, 2015) é o meu filme favorito de todos os tempos. Resolvi então fazer alguns paralelos sobre os pontos que mais gosto em Mad Max e os princípios que acredito que devemos considerar para entregar um design de qualidade, agora e no futuro, independente das evoluções tecnológicas que nos aguardam.
As possibilidades destas evoluções para o design de experiência se mostram tão empolgantes quanto as cenas de ação de Mad Max. O crescente uso de interfaces conversacionais, experiências voice-first, o uso de realidade aumentada (e áudio aumentado), design multimodal, dados e inteligência artificial, entre outros, tornam necessário que designers de experiência conheçam os aspectos técnicos e tecnológicos destas inovações. Felipe Memória enfatizou a importância desse conhecimento técnico no Interaction Latin America (ILA 2018 - eu fui :D). Segundo ele, importantes nomes da arquitetura que influenciaram a história do design sempre se preocuparam em conhecer bem as características técnicas do material com que trabalhavam e suas implicações em seus projetos.
Por outro lado, acredito que tão ou mais importante que este conhecimento técnico são os fundamentos do design, que hoje e sempre devem ser considerados para projetar experiências centradas nas pessoas. Veja alguns exemplos desses fundamentos ilustrados pelo Mad Max:
Interação intuitiva e boa usabilidade:
Acho fantástico o storytelling do Mad Max. Na cena em que Immortan Joe corre para o quarto de suas esposas, desconfiando que elas fugiram com Furiosa, ele passa rapidamente por um corredor em que vemos uma estrutura onde hortaliças são cultivadas na água. Sem que uma palavra seja dita, entendemos como eles fazem para cultivar alimentos naquele ambiente inóspito, e a importância disso para a dinâmica de dominação através do controle do acesso à água.
Essa compreensão imediata pode acontecer no design de interfaces (visual ou não), com o uso de boas affordances (alô portas de Norman), para que o usuário bata o olho e entenda como interagir. Desta forma, ajudamos o usuário a saber como proceder para realizar suas tarefas, assim como o storytelling do Mad Max ajuda o espectador a entender a história sem precisar de explicações.
A forma segue a função
A estética do filme é de tirar o fôlego, mas está sempre a serviço da história. Cada tribo utiliza objetos ou elementos representativos de sua cultura, como os da Cidade da Gasolina ou da Fazenda da Bala (que fornecem munição). Os objetos não são usados apenas por sua estética, mas principalmente para ajudar o espectador a entender, através da semiótica, quem estes personagens são, imaginar suas histórias e seu papel naquele universo.
A War Machine da Furiosa, por exemplo, usa um limpa-trilhos na frente do automóvel, que não só confere um visual legal mas serve para proteger o motor na tempestade de areia.
Da mesma forma que a estética do filme não é gratuita, ajudando a contar a história e apresentar os personagens, microinterações, cores e qualquer elemento visual da interface devem ter um propósito, ainda que seja o de encantar/divertir, se este for a principal entrega de valor do do produto.
Experiência multimodal
Comentei sobre o design multimodal ser uma das prováveis tendências no futuro. Assim como num produto/serviço, o mais importante é resolver um problema (ou necessidade) do usuário, num filme, o mais importante é um bom roteiro, uma história bem contada. Mas todos os outros elementos cinematográficos podem acrescentar muito à experiência. Adoro a história, mas também sou fã da fotografia e da trilha sonora de Mad Max Road of Fury. Além de deliciar os sentidos, elas estão sempre lá ajudando a criar dramaticidade ou o efeito desejado para apoiar a narrativa.
No design multimodal, por exemplo, o uso de diferentes canais de interação (ou modos) não deve ser gratuito, mas sim proporcionar a forma mais natural para o usuário realizar sua tarefa. Quando eu interajo com alguém, às vezes faz mais sentido mostrar a tela do meu celular para transmitir a mensagem, e às vezes é mais fácil eu mesma falar. O design multimodal deve estar a serviço do tipo de tarefa que o usuário quer executar.
Objetivos de negócio conectados com necessidades dos usuários
Existem outros fundamentos importantes do design, mas para não estender muito o texto, vou destacar por fim que tão ou mais importante do que uma boa experiência para o usuário final é como ela impacta o alcance dos objetivos de negócio.
Por isso, à medida que empresas e seus times ganham maturidade, percebem que precisam investir mais tempo na estratégia, em analisar e enquadrar o problema, na experimentação e validação ágil de hipóteses e alternativas de solução.
Esse desafio provavelmente será ainda maior à medida que cresce também a complexidade de pensar em como viabilizar tudo isso com as novas tecnologias que surgem e evoluem cada vez mais. As empresas precisam então tornar seus processos mais eficientes, de forma que as etapas mais operacionais sejam automatizadas, sobrando mais tempo justamente para as mais estratégicas. Não é à toa que DesignOps vem ganhando importância no mercado brasileiro nos últimos anos.
Nossa heroína Furiosa conciliou seu objetivo (ter redenção), com o de suas "usuárias" (as esposas fugitivas - ter esperança de um futuro melhor), por meio de uma fuga viabilizada por uma oportunidade de fugir numa de suas missões. Além disso, o filme ainda retrata várias questões sociais relevantes como a degradação do meio ambiente, a objetificação e o empoderamento feminino, manipulação ideológica, entre outras.
Assim, também cabe a nós, designers, mapear o contexto, enquadrar o problema, e entender objetivos e necessidades (de negócio e dos usuários). Conciliar tudo isso para entregar uma experiência de qualidade e viável tecnicamente é o desafio mais estratégico, sem a qual não há boa usabilidade que salve. Tudo isso considerando ainda questões éticas e sociais pelas quais somos responsáveis enquanto designers, como a inclusão, diversidade, a ética, privacidade de dados, entre outros.
Designer, pós graduada em Gestão Estratégica em UX e certificada em UX Research pela NN g/. Atualmente é UX Lead com foco em DesignOps, maturidade, processos e indicadores de UX. É também co-líder do capítulo das Ladies That UX Brasília e nas horas vagas curte fazer umas ilustrações, animações em stop motion, assistir filmes de ação, ler quadrinhos, jogar Mario Kart e tocar violão e guitarra.