Design 2022
Luciana Terceiro
Sr. UX Designer na Zettle by PayPal
Curiosa, mãe, estudante

Nada jamais é influenciado (ou influencia) em apenas uma direção

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O ano de 2021 está acabando e mal podemos acreditar que estamos há quase dois anos convivendo com o Covid-19 entre nós. A pandemia nos deu uma lição e tanto sobre como estamos conectados globalmente, e tornou ainda mais explícito que fazemos parte do mesmo ecossistema. Por essas e outras razões, 2021 foi um ano que o pensamento sistêmico esteve bastante presente nas minhas reflexões. 

Muita coisa mudou, mas precisamos mudar mais ainda

Primeiro, por que pensar em sistemas?  Como afirma Buchanan (2019:85) “Nosso tempo está carregado de preocupações sobre os princípios sobre os quais muitos dos sistemas de nossas vidas estão baseados, e a comunidade de design é sensível às preocupações sobre o grau de envolvimento do design nesses sistemas.”

Todos nós já escutamos histórias de empreendimentos que provocaram consequências não-planejadas e não-benéficas. A despeito das boas intenções, conhecemos casos como a gentrificação causada pelo AirBnB, a precarização do trabalho por conta da ‘gigeconomy’, ou economia do trabalho autônomo, como em serviços de entrega, entre outros. Será que o pensamento sistêmico teria nos ajudado a evitar alguns desses problemas?

Buchanan compartilha conosco uma definição baseada no senso comum, um ponto de partida sobre o que significa sistema (2019:86): “Um sistema é uma relação de partes que trabalham em conjunto, de forma organizada, para atingir um objetivo comum.” Todo produto ou serviço é um sistema de partes que trabalham em conjunto. E mais do que isso, que estes mesmo produtos e serviços estão inseridos em sistemas maiores, e sistemas de sistemas (Buchanan, 2019:87). Deixando claro que isso não é uma crítica à definição que Buchanan traz, trago essa definição inicial para destacar que muitas vezes nosso entendimento sobre sistemas se reduz a esse senso comum, e acabar caindo em uma visão mecanicista. Na visão mecanicista, o foco acaba sendo muito mais nas partes e nas “coisas” envolvidas, enquanto que a visão sistêmica estaria mais voltada para os processos e relações - sem desconsiderar necessariamente as “coisas” envolvidas. Senge destaca que ​​“o pensamento sistêmico é uma disciplina para ver os todos. É uma estrutura para ver inter-relacionamentos em vez de coisas, para ver padrões de mudança em vez de ‘instantâneos’ estáticos." (Senge 2006:68)”

A visão sistêmica entende que não é possível ter controle de todos esses processos e de concretamente ‘projetá-los’. Ciente disso, como navegar num mundo tão complexo? Como desenhar e projetar, consciente das possibilidades dos efeitos colateriais? Como exercer um pensamento sistêmico em um mundo repleto de problemas extremamente complexos, ou “wicked problems”, tendo ciencia que a melhoria em parte de um sistema pode acarretar em desequilibríos no restante do ambiente?

Com problemas complexos, por outro lado, qualquer solução, depois de implementada, irá gerar ondas de consequências ao longo de um período extenso - virtualmente ilimitado. Além disso, as consequências da solução no dia seguinte podem produzir repercussões totalmente indesejáveis que superam as vantagens pretendidas ou as vantagens alcançadas até agora. Nesses casos, seria melhor se o plano nunca tivesse sido executado.. (Rittel, Webber 1973:163)

Um exemplo de uma solução pensada tendo em vista as mudanças climáticas do planeta é a produção de biogas. Biogás é um combustível de origem vegetal ou não-fóssil, e bastante eficiente na redução da emissão de dióxido de carbono. Porém, um dos substratos usados na produção é o óleo de palma, que vem de grandes plantações na Indonésia. Nos anos recentes, a Europa aumentou os incentivos para o uso de biogás, principalmente no transporte público. Porém, para viabilizar a produção de biogás, as plantações de palma na Indonésia aumentaram o equivalente a cinco Suiças, como mostra o documentário Soyalism.

Além das consequências para o meio-ambiente local, as plantações de palma também deixaram muitas pessoas sem terra e menos empregos, já que as plantações demandam menos pessoas. Mas censurar simplesmente as plantações de palma não é necessariamente a solução. O óleo de palma também é ‘ingrediente’ em muitos alimentos industrializados e que provém comida acessível para muitas pessoas ao redor do mundo. Uma das consequências da reducnao do óleo de palma poderia ser o aumento do preço de alimentos, o que invibializaria a alimentação de um contingente grande de pessoas. Num mundo complexo, não há solução simples.

Diferentes dos problemas nas ciências naturais, que são definíveis e separáveis e podem ter soluções que podem ser encontradas, os problemas de planejamento governamental - e especialmente aqueles de planejamento social ou político - são fracamente definidos; e dependem de julgamentos políticos evasivos para a resolução. (Não "solução". Os problemas sociais nunca são resolvidos. Na melhor das hipóteses, eles só são resolvidos continuamente.) (Rittel, Webber 1973:160)

Eficiência? Eficiência para quem?

Durante a era industrial, a ideia de planejamento, em comum com a ideia de profissionalismo, foi dominada pela ideia difusa de eficiência. Originada da Física do século 18, da economia clássica e do princípio dos meios mínimos, a eficiência era vista como uma condição na qual uma tarefa específica poderia ser realizada com baixos aportes de recursos. Essa foi uma ideia poderosa. Há muito tempo é o conceito norteador da engenharia civil, do movimento de gerenciamento científico, grande parte da pesquisa operacional contemporânea; e ainda permeia o governo e a indústria modernos. Quando apegado à ideia de planejamento, tornou-se dominante lá também. O planejamento foi então visto como um processo de concepção de soluções de problemas que podem ser instaladas e operadas de forma barata. (Rittel, Webber 1973:158)

Eficiência, se não é em si o objetivo final, é muitas vezes entendida como requisito fundamental para qualquer processo ou interação. Mas será que a eficiência é benéfica em toda e qualquer situação?

Um exemplo emblemático sobre eficiência em sistemas é descrito por Alex Blanchette no livro Porkopolis (2020). O livro dá uma dimensão de como sistemas podem ser muito mais abrangentes e entrelaçados. O autor descreve uma fazenda-indústria localizada nos Estados Unidos, altamente eficiente e dedicada à produção de carne de porco. A empresa, originalmente americana, foi adquirida por empresários chineses a fim de abastecer o mercado chinês. Para que a indústria funcione, muitos imigrantes latino-americanos são contratados. E para alimentar os porcos, plantações latifundiárias de soja são mantidas em lugares como Amazônia. Blanchette descreve o processo contínuo de aperfeiçoamento da indústria, padronizando a vida e morte suína, mas também regulando a vida de todos os envolvidos. O sistema desenhado não se restringe à fábrica apenas, mas também regula a vida social de quem trabalha lá. Por questões de segurança da produção, a fábrica tenta restringir as possibilidades de contanimação cruzada entre setores. Para isso, tenta-se controlar as liberdades sociais de quem trabalha lá, como por exemplo ‘fiscalizando’ quem pode frequentar as mesmas festas e até quem pode dividir a mesma moradia. Blanchette descreve a história de um pai de família que recebeu a oferta de uma promoção, mas para aceitá-la, a pessoa deveria morar em uma casa diferentes dos filhos, pois ele passaria a trabalhar em outra área da fábrica.

A métrica de eficiência desses sistemas é uma evidência de como melhorar problemas locais pode desbalancear ambientes maiores. Como Blanchette defende, nem toda eficiência é boa e inclusive ele destaca que uma política positiva de “ineficiência” pode ser benéfica. Que deveríamos poder questionar a enorme quantidade de energia humana, criatividade e ciência necessárias para manter esses sistemas funcionando (Blanchette 2020:236). Blanchette aponta como um sintoma e um sinal de nossos tempos: a decisão de simplesmente não tentar resolver um problema de eficiência é visto como uma atitude radical, e que deveríamos ter o direito à não-eficiência (Blanchette 2020:237). Por muito tempo, fomos acostumados a ações sem consequências aparentes, mas atualmente, temos nos tornado cada vez mais conscientes sobre causas e efeitos de cada movimento. Se não é possível ter controle absoluto sobre os sistemas, é necessário estar aberto aos impactos, porque eles virão. Como Senge (2006:75) destaca, “Nada é influenciado em apenas uma direção”.

Referências

Blanchette, Alex. 2020. Porkopolis - American Animality, Standardized Life & the Factory Farm. London: Duke University Press.

Buchanan, Richard. 2019. Systems Thinking and Design Thinking: The Search for Principles in the World We Are Making. In Seh Ji The Journal of Design Economics and Innovation, v.5, i.2, pp.85-104.

Rittel, Horst W. J. & Melvin M. Weber. 1973. Dilemmas in a General Theory of Planning. Policy Sciences vol. 4, no. 2, pp. 155-169.

Senge, Peter M. 2006. The Fifth Discipline. London: Random House Business Books.

Soyalism. 2020. Documentary. Directed by Enrico Parenti & Stefano Liberti. DW Documentary.

The Devastating Effects of The World's Palm Oil Addiction. 2018. Documentary. English version producer: Inge Altemeier. Journeyman Pictures.

Luciana Terceiro

Luciana Terceiro desenhou seus primeiros sites faz tempo, lá pelos idos de 1998. Sempre gostou de aprender e encontrou na tecnologia um espaço inspirador e aberto para experimentações. Trabalhou em empresas como IBOPE, UOL e PagSeguro. Possui uma especialização em Pesquisa de Mercado aplicada a Comunicação, é mestre em Tecnologia e Design pela PUC-SP e atualmente cursa mestrado em Antropologia Social, na Universidade de Estocolmo.

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