Ver a velocidade que a área de UX (e suas especialidades) está escalando aqui no Brasil é motivo de comemoração. Estabilidade, bons salários e muitas vagas têm impulsionado turmas cheias em diversos cursos que ensinam novas ferramentas e processos. Vemos sempre brasileiros trazendo seus pontos de vista nas páginas das avaliações de livros técnicos, seja qual for o idioma, terão leitores brasileiros que querem migrar para o Design ou que querem se especializar tecnicamente. Em contrapartida, também são muitas as empresas que dizem ter dificuldade em preencher as vagas abertas - mas o que acontece então se temos tantas pessoas se qualificando tecnicamente e posições que não conseguem ser preenchidas?
Há alguns anos nos processos de recrutamento que participo, vejo que muitas pessoas fizeram a lição de casa técnica e aprenderam a aplicar o double diamond, sabem o que são personas e têm domínio do software de prototipação - o que é ótimo. Mas vemos também imaturidade em alguns aspectos muito importantes do “soft-skill”. Para além do técnico, é preciso saber se comunicar, se relacionar e se analisar.
Esse texto não é sobre conseguir se tornar um ser humano perfeito e muito menos exime a necessidade de ter melhores processos de recrutamento, ambientes de trabalho saudáveis e uma liderança presente. Ele é apenas um apelo a busca por autoconhecimento para que a gente saiba identificar aspectos da nossa personalidade que impactam nosso trabalho e entenda como podemos trabalhar nisso.
O blog da Trybe tem uma definição simples e que nos ajuda a entender: “Soft Skills são habilidades ou qualidades comportamentais que estão relacionadas à maneira como uma pessoa se comporta ou lida com diferentes situações…”
Uma matéria da Exame também nos ajuda a ter uma visão histórica sobre os termos soft e hard skill: “Esses termos surgiram em 1972, quando foram vistos pela primeira vez em manuais de treinamento do exército norte-americano. Na época, eram utilizados para separar os militares entre aqueles que lidavam bem com atividades relacionadas ao gerenciamento de pessoas e aqueles que eram bons em operar máquinas.”
Estamos em 2021 e esses termos continuam a todo vapor em contexto bem diferente desses manuais de treinamento. As habilidades interpessoais estão na verdade tomando protagonismo desde a infância, o reflexo está em algumas escolas que já incluem no currículo, atividades para exercitar esses aspectos. Infelizmente essa não é a realidade da maioria das escolas do Brasil. Ou seja, discutir soft skill também tem um viés político importante. Para não me estender muito, deixo como lição de casa pesquisar mais sobre a história das soft skills, é bem interessante ver que não se trata apenas de uma checklist para o trabalho dos criativos.
Antes de focar apenas no Design, quero dar um passo pra trás para mostrar que a busca dessas habilidades tem impactado a maioria das profissões. Uma pesquisa divulgada esse ano da McKinsey Global Institute, analisou o mercado de trabalho impactado pela pandemia e pelas novas tecnologias e indicou quais habilidades se tornarão cada vez mais importantes.
O estudo dividiu as “habilidades do futuro” em 4 partes de desenvolvimento: cognitivo, interpessoal, autogestão e digital. Apesar de já termos vantagem por trabalhar com tecnologia, aspectos de como somos e como nos relacionamos aparecem com mais relevância no estudo.
O Invision em 2019 trouxe outro estudo que já reforçava a importância das soft skills para as empresas que estavam contratando Product Designers. Eles explicaram que esses aspectos juntos impactam o quão legal/gratificante é trabalhar com alguém. Te provoco aqui a fazer uma reflexão, pense nas pessoas com quem mais aprendeu na sua carreira, tenho certeza que não vão ter só pessoas que são impecáveis tecnicamente, mas que certamente conseguiram desenvolver aspectos interpessoais.
Para nossa sorte, trabalhar com Design já propicia o desenvolvimento de muitas dessas habilidades, sempre falamos de processos colaborativos e sabemos a importância da empatia. Ainda assim, somos seres complexos e eventualmente esquecemos de toda essa teoria e agimos de acordo com nosso ego, sendo imediatistas, superficiais e nada resilientes - pesado né? Mas essa é uma autocrítica também!
Desenhei um diagrama com grandes momentos na vida de um designer (ou de qualquer profissional) para ilustrar que trabalhar nas nossas habilidades interpessoais é importante independente do momento que você esteja.
Pensando nesses momentos e levando em conta os estudos do Invision e Mckinsey, também trouxe algumas oportunidades de desenvolvimento das nossas soft skills em cada fase da nossa vida profissional.
Seja para ingressar na área ou buscando novas oportunidades, fazer entrevistas é um grande exercício que já colocamos à prova essas habilidades. Apesar da ansiedade e de ser um momento um pouco conturbado, algumas oportunidades de desenvolvimento são:
Quando entramos numa empresa e vamos aprender sobre como ela funciona, também temos oportunidades de desenvolvimento:
Depois da fase de adaptação, entramos no momento de trabalhar em diversos projetos e com pessoas diferentes. Com certeza é onde encaramos mais problemas e colocamos mais a prova as nossas soft skills. Algumas oportunidades de desenvolvimento que temos aqui:
Depois de um tempo na mesma posição, começamos a nos preocupar do que é preciso para dar o próximo passo na carreira. Os tempos são diferentes para cada um, às vezes sentimos essa necessidade depois de alguns meses na mesma posição e outros podem levar anos até ter essa preocupação. Para todos os casos temos oportunidades parecidas:
Fiz uma rodada de perguntas com 10 líderes para entender quais habilidades, na visão deles, os designers têm demonstrado maior dificuldade. A Larissa Herbst, Design Manager na Pipefy, trouxe como um ponto bem importante a falta de interesse dos designers em trabalhar uma soft skill "Para ser sincera, o que eu mais sinto falta é o pessoal se interessar por soft skills. É raro perguntar pra alguém no que ela quer se desenvolver e a pessoa responder uma soft skill.”
E além da falta de interesse, também apareceu nas conversas que precisamos:
Vale lembrar que desenvolver essas habilidades não é algo que desenvolvemos uma vez e não precisamos revisitar, tudo o que muda ao nosso redor e dentro da gente traz mais uma variável para essa equação.
Lynda Gratton escreveu uma matéria para o MIT Sloan Review trazendo 3 grandes barreiras para o desenvolvimento de soft skills, e uma delas é a condição do nosso ambiente de trabalho “Quando as pessoas se sentem pressionadas, como se estivessem sendo tratadas de maneira injusta, ou quando se sentem estressadas, o hipocampo – a parte do sistema límbico do cérebro que está associada à emoção – diminui sua capacidade de exercer uma escuta empática ou apreciar o contexto de uma situação. Poderíamos dizer que o cérebro se recusa a aprender ou exercer as soft skills.”. Ou seja, apesar de algumas coisas estarem na nossa mão para desenvolver, não podemos nos colocar como o único responsável por isso.
Usei alguns materiais que me ajudaram muito a escrever esse texto. Além disso, também recebi algumas boas recomendações:
Falar sobre soft skill é difícil, temos muitas interpretações e acho que a riqueza do assunto mora aí. No Linkedin comecei discussões sobre o tema e aprendi sobre pontos de vistas diferentes do meu. No trabalho também perguntei ativamente para o time que lidero e para a minha liderança sobre o entendimento de cada um das habilidades interpessoais importantes para um designer.
Construí esse texto tentando trazer um pouco de todo aprendizado que tive no processo, mas assim como o desenvolvimento das soft skills, ele é contínuo, então conte comigo se quiser falar mais sobre isso, podemos aprender juntos e eu adoro tomar um cafézinho. Até mais 🙋🏻♀️
Vim de Taboão da Serra, amo meus gatos, fazer artesanato e fugir pro mato. Estou em UX faz 7 anos e há 2 me dedico à liderança de pessoas e projetos. Tratar ansiedade e depressão me conectou ao universo do comportamento e por isso, sempre gostei de estudar e falar sobre esse tema.