A maioria dos designers que conheço são motivados pelo impacto positivo que podem causar na vida das pessoas. Projetar uma interface, um produto ou serviço que realmente transforme positivamente a vida é a missão da nossa profissão.
Porém, nós vivemos um momento chave onde a tecnologia influencia nossas vidas e muda cada vez mais o nosso comportamento como sociedade. Enquanto você lê esse texto, aumenta ainda mais o tempo que passa utilizando sites de notícias ou redes sociais. O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking de países que passam mais tempo em redes sociais. Em média, o brasileiro passa 5 horas por dia em aplicativos, segundo o site especialista em dados mobile — APP ANNIE.
Outro aspecto extremamente importante, que vale ressaltar, é o aumento de casos de ansiedade e depressão. Com a pandemia, isso só se agravou. Os casos de depressão e ansiedade cresceram mais de 25% no mundo, de acordo com um estudo publicado pela na revista científica The Lancet.
Quem assistiu ao episódio sobre design de produtos digitais do documentário Abstract, na Netflix, viu o momento em que Aza Raskin, designer que criou o conceito do scroll infinito, compartilhou sua visão sobre a sua criação: “Uma das minhas lições com a rolagem infinita, é que otimizar algo para facilidade de uso não significa o melhor para o usuário ou para a humanidade”. O impacto do scroll infinito é estudado e relacionado ao crescimento das taxas de ansiedade no mundo.
Somos responsáveis pelo que trazemos a este mundo e algumas referências no universo do design me ajudaram a perceber e refletir sobre como a atuação do designer pode ter contribuído para mudanças positivas e muitas vezes extremamente negativas na vida das pessoas.
Cynthia Savard e Jonathan Shariat escreveram o livro Tragic Design, onde exploram exemplos extremos e outros mais comuns que os designers podem enfrentar em suas carreiras. Um dos exemplos mais marcantes é o de uma paciente com câncer, que faleceu devido à péssima interface do sistema utilizado para monitorar o tratamento.
A interface do software utilizado pelas enfermeiras era terrível. É visível a quantidade de regras básicas de usabilidade que foram negligenciadas, como a alta densidade de informações, que torna impossível fazer a leitura de dados mais importantes, e a hierarquia das informações, que prejudica a tomada de decisão, entre outros inúmeros problemas que renderiam uma boa análise heurística.
Mike Monteiro também me ajudou muito a perceber a importância em se responsabilizar pelo que colocamos no mundo: o livro Ruined by Design foi um soco no estômago que me fez refletir muito sobre o legado que deixaremos para as futuras gerações.
Não podemos nos surpreender quando causamos a exclusão de pessoas com deficiência que não conseguem interagir com a interface devido às práticas recomendadas de acessibilidade que não foram atendidas. Não podemos nos surpreender pela injustiça causada por um sistema que não valida corretamente as informações e não transfere o auxílio emergencial para quem realmente precisa, ou simplesmente por causar frustração por não deixar a pessoa andar de bicicleta devido ao aplicativo ser muito complicado de usar.
A Internet é uma fábrica de assédio e abuso em parte porque os designers implementaram coisas que não deveriam…e porque as empresas não implementaram coisas que deveriam — como a falha do Twitter em lidar com o abuso . Se esses designers sabiam que estavam se comportando de forma antiética é algo que talvez nunca possamos provar, mas precisamos pelo menos evidenciar isso. Podemos pelo menos tirar a ignorância como desculpa. Precisamos de um código e precisamos segui-lo. “ Uma tradução livre do livro: “Ruined by Design: How Designers Destroyed the World, and What We Can Do to Fix It by Mike Monteiro
No livro, ele menciona os estudos que o Facebook conduziu para entender o comportamento das pessoas. Nesse estudo, o feed de notícias das pessoas foi bombardeado com notícias ruins com o objetivo de avaliar a saúde mental das pessoas. Tudo isso sem o consentimento delas. Sem falar do escândalo do compartilhamento de dados com a Cambridge Analytica.
Muitas vezes não percebemos o impacto que uma ideia terá e isso pode custar muito caro para o nosso futuro. As fakes news são o maior exemplo de como esse impacto se tornou real nos últimos anos, mudando completamente o resultado das eleições no Brasil e no mundo.
A nova geração de designers tem focado muito na velocidade de entrega, e quando olhamos apenas para a rapidez, podemos deixar de lado o que é realmente importante.
O que devemos considerar para evoluir como profissionais?
É tempo de nós assumirmos uma postura mais consciente sobre as pessoas que serão impactadas com o nosso trabalho, sobre as nossas decisões de design e sobre a intenção que colocamos nas coisas.
Ter consciência sobre o que projetamos é a base da nossa profissão. Não se canse de questionar até você ter todas as respostas que precisa. Projetar algo sem entender o impacto é antiético e pode ser muito perigoso.
Não seja inocente, o design pode transformar a maneira como vivemos, comemos e conversamos.
Precisamos ter esse compromisso e questionar quais são os impactos que podemos causar, pois só assim poderemos melhorar nosso processo de trabalho e evoluir.
Senior Product Designer na Pipefy, 🚲 ciclista nos finais de semana, 🏄🏻♀️surfista do lago Paranoá e 💡 idealizadora do Imersão UX, um grupo de mulheres que se uniu em 2019 para difundir experiências e conhecimentos e, assim, participar ativamente da construção de uma área de design e tecnologia mais diversa e inclusiva.