Dizem que é errado justificar comportamentos com base no signo, mas eu sou leonina, e isso, segundo a astrologia, faria de mim uma líder nata. De fato, eu já demonstrava gostar de liderar quando adolescente. Não era a líder da turma, mas tomava a frente de como os trabalhos em equipe seriam executados. A própria equipe também me via como responsável por guiar como a coisa toda deveria ser feita. Anos depois entendi que era uma liderança tóxica, já que eu nem queria saber o que os coleguinhas pensavam—mas eu me dediquei pra melhorar nesse aspecto, eu juro.
Anos depois, comecei a atuar como designer. Isso fez com que eu pudesse continuar exercendo essa liderança de muitas formas, seja contribuindo com a estratégia do produto ou ajudando outras pessoas a tomarem decisões em suas carreiras. Habilidades que me ajudaram também a fazer um bom trabalho em consultorias e fábricas de softwares, onde a pressão costuma ser maior. E quando migrei pra uma empresa de produto, tudo isso foi igualmente valorizado, o que fez com que em pouco tempo eu fosse percebida como um potencial pra assumir, oficialmente, um cargo de liderança.
E eu desejava liderar uma equipe.
O tempo passou, e, enfim, essa possibilidade se concretizou. A oferta pra assumir o time aconteceu. Me senti insegura, mas com o apoio da equipe decidi aceitar.
Busquei cursos, livros e palestras. Me sentia numa verdadeira transição de carreira. Se minhas habilidades técnicas como designer estavam bem consolidadas, o mesmo não era verdade em relação à liderança. Mas, afinal, liderança é um substantivo único, objetivo, fácil assim de ser definido? Ou é uma profissão, um cargo, como qualquer outro, amplo, com muitas possibilidades?
Pra mim, era como se eu estivesse em uma nova profissão. Se por um lado foi muito bom porque eu aprendi muitas coisas e isso me deu energia no dia a dia de trabalho, por outro houve um choque: liderar é muito mais complexo do que te contam. E, por mais que te digam que você é uma pessoa líder "nata", isso não garante que você vai gostar de estar nessa posição.
Ser tecnicamente excelente em um determinado assunto não necessariamente te fará um bom ou uma boa líder também. Você e eu sabemos disso, mas não falamos sobre o assunto como deveríamos. O resultado pode ser desastroso de muitas formas: de líderes inaptos ao cargo a liderados frustrados, com uma referência enfraquecida.
Existem muitos tipos de liderança, e muitas técnicas pra guiar o que alguém nessa posição precisa fazer: gestão de conflito, construção de time, recrutamento e seleção, desenvolvimento de carreira. E é por isso que não acredito mais no conceito de liderança como trouxe no início do texto—algo inato, quase um dom. É uma profissão que precisa ser guiada e desenvolvida—isso, obviamente, se você tiver disponibilidade de exercer uma boa liderança. Não vale pra quem quer ser só mandar.
E não é tão difícil entender quem, muitas vezes, se coloca num lugar de chefe, com um quê de autoritarismo. Autoritarismo geralmente esconde uma insegurança. E liderar outras pessoas dá medo. Dá medo porque você sabe que elas dependem de você. Que tudo o que você diz vai ser levado 10 vezes mais em consideração. E a vulnerabilidade, popularizada pelas falas e livros da Brené Brown, começa mesmo a parecer um ato de muita coragem. Tem que ser muito corajosa pra se mostrar um ser humano como qualquer outro quando a estrutura muitas vezes te empurra pra fazer o oposto. E foi assumindo a minha vulnerabilidade que eu entendi: eu não queria estar onde pensava que desejava estar. Eu não queria mais liderar uma equipe.
Mas desistir parecia não fazer parte do léxico da liderança. Se você buscar no Google características de um bom líder, na verdade, vai encontrar exatamente o contrário disso. Você precisa ser é persistente, não desistente. Aliás, precisa ser resiliente. Tem uma pesquisa que diz que 9 em cada 10 vagas no LinkedIn citam resiliência como uma das principais características pra líderes. A fonte desse dado são as vozes da minha cabeça, mas se você já gastou pelo menos meia hora navegando por vagas na rede social, sabe que essa estatística não é tão improvável.
A verdade é que desistir pode soar como fracasso em qualquer área da vida, não só no trabalho. Desistir de um relacionamento que não deu certo pra muitas mulheres, por exemplo, pode ser mais duro que continuar numa relação fracassada. É quase um atestado da sua fraqueza e incapacidade. E desistir daquela vaga dos sonhos? Um pecado.
A economia comportamental ajuda a entender porque abrir mão de algo no qual investimos é tão doloroso, e dá a esse viés o nome de "custo afundado" (sunk cost). Tendemos a persistir em más decisões simplesmente porque colocamos tempo, esforço e energia naquilo. Sabe aquela coisa do "já tô há X anos nessa relação, por que eu terminaria?" É esse viés em ação. Mas muitas vezes abrir mão é justamente a melhor coisa a ser feita.
E aqui quero parafrasear o que Marc Tawil escreveu em seu texto pra a Época: "desistir pode ser a melhor opção disparado ao descobrirmos que nem toda oportunidade é para nós". Nem toda oportunidade é para nós. Assumir isso é coragem também.
A minha desistência não tinha a ver com o time que eu estava liderando ou a empresa em que estava, mas sim com o que eu desejava pra mim e pra minha carreira. Meu coração batia mais forte quando tínhamos sessões de co-criação com todo o time, e eu podia colocar a mão na massa pra construir algo de forma coletiva. Aquilo me deixava realmente feliz; eu entrava no estado de "flow" atuando como designer, e descobri que isso é o que me dá energia.
E, apesar disso tudo, não foi uma decisão fácil. Pensei e repensei várias vezes, até chegar a essa conclusão. Como eu contaria para as pessoas de recrutamento que eu estava fazendo um movimento contrário do esperado? Que, ao invés de disputar cargos de liderança ainda mais altos, eu estava dando um "passo pra trás"? Na verdade, eu nunca vi como um passo pra trás, e, sim, um passo pro lado. Nada do que aprendi e executei como líder seria perdido, mas eu poderia aplicar tudo isso de outras formas.
A intenção desse texto não é te incentivar a desistir de ser líder em design ou de fazer uma transição de carreira da qual você está insegura; trata-se de um convite pra olhar aquilo que você planejou, executou e não foi tão bom quanto o esperado.
Talvez você atuasse como designer de produto e decidiu atuar como UX researcher e, na real, descobriu que nem gostava tanto assim de fazer tantas entrevistas todos os dias. Ou era uma pessoa visual designer que migrou para UX writing e viu que gosta mesmo é de motion design. Ou também assumiu, assim como eu, um cargo de liderança e descobriu que, na verdade, queria mesmo era continuar atuando como designer.
E com a experiência que tive até hoje, posso dizer: a real é que é muito bom ver que uma pessoa bancou seu próprio desejo, independente de quão tortuoso o caminho pudesse parecer. Se uma empresa contrata as pessoas pelos motivos certos, ela vai valorizar suas decisões que, a princípio, podem parecer estranhas, mas fazem todo sentido pra sua carreira—e pra você também. Precisamos correr esse risco quando queremos assumir a narrativa da nossa própria vida.
O Pequeno Príncipe disse que "foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante". Mas essa rosa pode se tornar ainda mais espinhosa se você continuar cultivando. As feridas vão se abrindo, e, quanto mais tempo você insiste em cultivá-la, mais difícil se torna abrir mão. Pense nisso antes de continuar "seguindo o fluxo". Desistir pode ser seu passo à frente.
Agradecimento especial à Agnes Arruda pela revisão do texto e contribuição.
Feminista, vegetariana, ciclista, mãe de pet e crocheteira. Designer há mais de 10 anos, atuando na área de UX desde 2015 e atualmente criando experiências incríveis como Product Designer Specialist na SumUp. Formada em Design Gráfico pela Universidade do Estado de Minas Gerais e Politécnico di Milano. Me motivo pela pergunta que nos cerca todos os dias: Por que fazemos o que fazemos? E como o design pode nos ajudar a fazer escolhas melhores? Para responder a essas questões, estou constantemente estudando temas que envolvem economia comportamental, antropologia, psicanálise e temas relacionados.