Se alguém, há dois anos, me dissesse que no final de 2021 eu estaria escrevendo um artigo em primeira pessoa para um projeto chamado Design 2022, eu daria uma gostosa gargalhada. O que eu, uma jornalista, poderia escrever sobre design?
No final de 2019 eu acumulava quase duas décadas de experiência no jornalismo, e minha maior proximidade com o design era quando eu me reunia com os três talentosos profissionais que faziam parte do time de 20 pessoas que eu liderava na redação de um grande portal, onde eu era editora-chefe.
Quando escolhi minha profissão, fui levada a crer que iria exercê-la por toda a vida. Investi tempo, dinheiro e dedicação para me especializar. Fui evoluindo dentro da carreira, galgando postos mais altos, formando novos jornalistas. Eu achava que seria assim até eu me aposentar.
Na prática, há muito tempo que as coisas não são bem assim. Se antigamente as pessoas passavam a vida toda na mesma profissão - às vezes até na mesma empresa! - hoje tudo muda o tempo todo, rápido, e se a gente não muda junto, acaba ficando para trás.
É como o professor Yuval Noah Harari escreveu no livro “21 Lições para o Século 21” (Companhia das Letras), sobre o futuro: “O mais importante de tudo será a habilidade para lidar com mudanças, aprender coisas novas e preservar seu equilíbrio mental em situações que não lhe são familiares”.
Pois bem. Me vi como um exemplo vivo do pensamento de Harari. O mundo girou, o grande portal onde eu trabalhava fechou, a empresa quase faliu, e eu me vi diante de uma vontade: eu não queria mais ser jornalista. Era hora de ser outra coisa na vida.
Dois anos depois, em dezembro de 2021, começo a me sentir mais a vontade para escrever por aí que eu sou designer. Dá para dizer que eu migrei de carreira, de fato. De vez em quando eu recebo mensagens de assessores de imprensa e respondo sem hesitar: “não sou mais jornalista. Agora, eu sou UX Writer”.
Então quero falar para as pessoas que estão pensando em mudar de carreira e virar UX Writer. Pessoas que acham difícil largar tudo o que construiram até aqui para começar do zero. Eu senti isso tudo também. Mas aprendi algumas coisas no caminho, e quero dividir com vocês:
Sua experiência é com matemática pura, e você quer migrar para UX Writing? Você não vai começar do zero. Você se formou em biblioteconomia, mas quer migrar para UX Writing? Você não vai começar do zero. Sua única experiência é na recepção de um escritório, e você quer se tornar UX Writer? Você não vai começar do zero.
É claro que existem habilidades técnicas que talvez você não tenha. É claro que você vai ter de estudar e aprender muitas coisas novas. Mas você não é uma página em branco. Muito do que você aprendeu ao longo da vida vai ser usado em UX Writing.
E não são apenas as habilidades técnicas que contam pontos quando você busca um trabalho. As habilidades interpessoais às vezes são até mais importantes. Eu, pessoalmente, valorizo mais a curiosidade, a facilidade em conversar, o interesse no outro, do que o conhecimento de metodologias e ferramentas de trabalho. É mais fácil aprender habilidades técnicas do que habilidades interpessoais, na minha opinião
Em resumo: não deixe que a falta de experiência na nova área de trabalho iniba sua vontade de mudar. Identifique suas melhores qualidades, como elas podem ser aplicadas na nova profissão e lembre-se disso quando for vender seu peixe em uma entrevista.
Ok, você entendeu que não está começando do zero ao mudar de carreira. Mas como se candidatar a vagas de UX Writing sem nenhuma experiência prévia? Isso é uma questão, especialmente se você vem de uma área em que a escrita não é matéria-prima do seu trabalho.
Digo isso porque jornalistas, profissionais de letras e afins geralmente têm boas amostras pelo menos do “writing”. Resta demonstrar algum conhecimento ou experiência em UX e conectar as duas coisas de forma que faça sentido.
Mas para quem vem de outras áreas, é possível inventar a experiência. Calma: não estou sugerindo que você falsifique seu currículo e minta na entrevista. Estou sugerindo que você, no conforto de seu lar, crie algumas amostras fictícias de trabalho de UX Writing.
Depois de ler, pesquisar e estudar sobre o tema, fazendo cursos ou mesmo por conta própria, comece a praticar. Quando sentir segurança, arrisque alguns estudos de caso e deixe tudo documentado. Ofereça seu trabalho como UX Writer para uma ONG de forma voluntária, assim você pode praticar e ajudar alguém ao mesmo tempo.
Se você ainda não tem um belo currículo na área, ou empresas e pessoas que atestem a qualidade do seu trabalho, vai ter de mostrar sua experiência de outra forma.
Assim, quando você for ao mercado, vai ter trabalho para mostrar. Aqui, nem quero falar sobre portfólio, porque não quero dar um peso desnecessário a algo que pode simplesmente ser uma amostra do que você sabe fazer.
Lembre-se de documentar os porquês de você ter tomado as decisões que tomou em cada texto modificado, que tipo de pesquisa fez, e, se houver, os resultados decorrentes das mudanças que você sugeriu.
Isso pode fazer toda a diferença na hora de disputar uma vaga.
Vamos falar sobre dinheiro aqui, ok? É natural que, ao migrar de carreira, a gente pense que vai ter de voltar algumas casinhas no tabuleiro do jogo da vida. Afinal de contas, parece que a gente está começando do zero, então vai ter de ser júnior de novo…
Mas lembre-se do item número 1. Você não está começando do zero. Toda sua experiência de vida conta. Então, se possível, não caia na tentação de voltar atrás na sua senioridade e no seu salário.
Ousado, eu sei. Quando eu estava começando o processo de mudar de carreira, me candidatei a algumas vagas júnior. E estava disposta a ganhar muito menos, na humildade, para poder ingressar no mercado. Mas ouvi esse conselho de alguém que considero minha mentora na profissão: “não aceite ganhar menos. Você não é júnior”.
Nada contra os profissionais juniores, todos já fomos. Mas de fato, com quase 20 anos de carreira no jornalismo, tendo liderado times, batendo metas mensalmente, eu não era júnior. Quando eu entendi isso, passei a dizer “não” para quem me oferecia menos do que eu queria e considerava merecer. Até encontrar a vaga onde eu cabia.
E por que eu digo para não voltar atrás se for possível? Porque eu sei que eu tive o privilégio de poder dizer não para as vagas que eu julgava aquém da minha capacidade. Sei bem que há muita gente que não pode ficar sem salário. Que precisa aceitar o que está disponível, e depois tentar ganhar mais.
Mas, na medida do possível, não se diminua. Candidate-se para vagas condizentes a sua senioridade profissional adquirida ao longo da vida, não leve em consideração apenas o capítulo mais recente da sua história.
Mesmo se você tem anos e anos de experiência no mercado de trabalho, lembre-se de que você decidiu desbravar um novo território. Nesse novo mundo, suas habilidades prévias têm valor, sua senioridade conta, mas isso não significa que você sabe tudo. Aliás, é bem provável que você saiba muito pouco sobre esse novo território.
Ser humilde não faz mal a ninguém. Conheça suas limitações e fraquezas e tenha a grandeza de dizer que você não sabe tudo, que você está aprendendo. A verdade é que estamos todos aprendendo, diariamente.
Além disso, ser iniciante na profissão dá carta branca para fazer perguntas sem medo nem vergonha. Se você conseguir manter esse espírito de iniciante para sempre, estará no caminho certo. Duvide de quem parece saber todas as respostas. Na nossa profissão, vale mais fazer perguntas, sempre.
Acordo cedo, gosto do silêncio, tenho muitas dúvidas e adoro procurar pelas respostas. Acho que seria uma excelente detetive, mas, por segurança, preferi fazer outras investigações.