Um breve ensaio sobre a não-linearidade do processo de Design
Siga a regra número 1, depois a regra número 2, depois a regra número 3, e quando chegar na regra número 4 faça exatamente como está no processo, e pronto, o produto nasceu!
Mas será mesmo?
Quando descobri o que era UX Design e comecei a pesquisar por cursos e artigos, notei que havia muitas metodologias e processos, e que esses formavam uma cadeia linear (até aqui "tudo bem"), que sempre era vendida como algo que levava à perfeição. Dessa forma, fiz o que todo iniciante e entusiasta de algum tema costuma fazer: estudei tudo o que podia e acreditei nos processos/metodologias.
Mas como dizem por aí, a realidade bateu, e bateu forte. No meu primeiro emprego como UX Designer (numa agência rs), eu notei logo de cara que as coisas não funcionavam da forma como tinha aprendido nos cursos e artigos que li. Compreendo que as ementas dos cursos precisam de previsibilidade e linearidade, afinal, é um curso, cursos vendem métodos, mas porque não alertar os aspirantes a profissão sobre a não linearidade no processo de UX?
Acredito que um dos principais diferenciais em um profissional de UX atualmente, é saber usar a sua caixa de ferramentas, principalmente aqueles que trabalham em contextos de metodologia ágil. Você pode montar um roadmap bonitinho, organizar toda a estrutura de processos e ferramentas a serem usadas e fazer aquele lindo alinhamento com a equipe, quando de repente BOOM! Acontece um tradeoff! Temos que pivotar imediatamente para uma quick win e tudo aquilo que tínhamos planejado vai por água abaixo e deve ser repriorizado (ou até mesmo descartado). É aqui onde se separa os homens dos meninos!
Fique aqui, vem comigo, vou trazer um filósofo pra conversar com a gente.
Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do século XIX - conhecido como pai do existencialismo -, possui uma célebre frase que nos ajuda a compreender um pouco desse movimento existencial: “Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se”.
Para Kierkegaard, os filósofos de seu tempo estavam se perdendo em abstrações que se desconectavam da vida cotidiana. O dinamarquês foi em oposição aos colegas e procurou explicar de maneira palpável os dilemas morais, utilizando a noção de que nossas vidas são determinadas por ações orientadas pelas nossas escolhas. O homem teria liberdade de fazer julgamentos de acordo com sua vontade, por vezes tendo de escolher entre aquilo que é melhor para si mesmo e aquilo que é mais ético.
Dessa forma, Kierkegaard percebeu que abstrações demasiadas, teorias etc., não abarcam todo o balanço da vida, pois precisamos ter contato com o real para fazermos esse movimento de acompanhamento do balanço. Por isso, para Kierkegaard, o ousar é viver de forma plena, real, no cotidiano, com suas incertezas e dúvidas! Isso é ser humano, e inalienável a isso toda a sua existência e produção, seja em cultura, profissões, etc.
Dessa forma, ser Designer (profissão que trabalha com projeção de experiência por meio dos sentidos) é ousar a todo momento, ser designer é pegar as teorias e abstrações que aprendemos em cursos, artigos, vídeos etc., de maneira palpável aplicarmos à realidade, e sermos afetados por ela também, pois essa perda momentânea de equilíbrio é campo fértil para a criatividade e maturidade de qualquer profissional.
Donald Norman (Design do Dia a Dia, Capítulo 5 Errar é humano, página 146) corrobora com esse conceito do Kierkegaard ao afirmar que: "O pensamento humano e seus parentes próximos, a solução de problemas e o planejamento, estão mais enraizados na experiência passada do que nas deduções lógicas. A vida mental não é definida nem ordenada. Ela não prossegue suave e graciosamente de forma lógica e elegante: Ela salta, passa por cima e pula de ideia em ideia ao longo de seu caminho, unindo coisas a outras que não têm o que fazer juntas, formando novos saltos criativos, novos insights e conceitos. O pensamento humano não é como a lógica; é fundamentalmente diferente em espécie e espírito; a diferença não é pior nem melhor. Mas é ela que leva à descoberta criativa e à grande robustez do comportamento."
O Designer é aquele que ousa, que descobre, que pergunta, e acima de tudo que resolve problemas reais de usuários reais! Assim como a vida mental não é definida nem ordenada, da mesma forma a "vida física", aquela que faz parte e compõe a existência, também não é. Problemas não possuem formas lineares de serem resolvidos, principalmente problemas que lidam com a experiência humana, que é o que buscamos projetar em nossos produtos.
Não há como resolver problemas e projetar experiências sem ousar, sem perder o equilíbrio. Caso isso não ocorra contigo, você pode estar perdido, tanto no processo quanto na entrega. Se você sente que o seu processo de Design está confuso, repriorize, dê dois passos para trás, talvez não seja o processo que está confuso, mas a sua percepção sobre ele. Esse desiquilíbrio é momentâneo, use sua caixa de ferramentas de forma intencional e estratégica, ouse fazer as coisas de outra forma, tenha isso em mente a cada novo projeto que for iniciar e verá como as coisas farão mais sentido, como a pressão será menor, e como o processo será mais fluído.
Não estou querendo diminuir ou excluir a necessidade dos movimentos teóricos, das abstrações e de organizações prévias e lineares, até porque, além de UX Designer, sou estudante de filosofia e mentor de organização pessoal.
O meu ponto aqui é mostrar que, por mais linearidade que tenhamos em nossas agendas, planejamentos, sistemas teóricos, roadmaps etc., nada substitui o contato com o real, com o caos, e é nesse real/caos aonde nos encontramos, pois perdemos o equilíbrio, e é nesse looping de equilíbrio e desequilíbrio que as coisas se encaixam e os projetos nascem.
Paulistano da Zona Leste residindo em Uberlândia, graduado em Letras pela FESL, graduando em filosofia pela UFU, Product Designer na Orbia , Coordenador de Pesquisas na PretUX, mentor de Organização Pessoal, leitor ávido, amante da sétima arte e esposo da Miss ❤️